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                                     Filosofia Alvissarista

 

A Filosofia Alvissarista parte de uma interpretação sincrética de alguns pressupostos da filosofia de Kant, Lacan, Wittgenstein, Platão e Kardec. Este sincretismo levou o Alvissarismo a postular que o mundo não é mais do que uma representação simbólica e imaginária do real. O mundo é desse modo, dividido entre dois polos inseparáveis: o real e a realidade. Por um lado, o objeto, a coisa e o fato, constituído a partir do espaço, do tempo e da causalidade. Por outro lado, a consciência íntima e subjetiva acerca do mundo, sem a qual este não teria sentido.

 

No entanto, o Alvissarismo rompe com a filosofia de Kant, uma vez que este afirma a impossibilidade de alcançar a coisa-em-si, isto é, o real. Para o Alvissarismo, ao tomar consciência de si através da experiência mística (revelação, dom do Espírito Santo ou mediunidade) e de paradoxos lógicos na linguagem, o homem passa a compreender o princípio norteador da existência humana.

 

Olhando para a natureza humana, o Alvissarismo percebeu que as experiências místicas e os paradoxos lógicos na linguagem são aquilo que mais se aproximam da coisa-em-si. Portanto, para o Alvissarismo, a experiência mística e o paradoxo lógico corresponde à coisa-em-si, manifestando-se, desse modo, como uma espécie de substrato último da experiência do real na realidade. Porém, esse real, apesar de possuir um caráter metafísico, não pode ser experienciado em sua totalidade, e apesar de sua possível experiencialidade, permanece incognoscível, isto é, indizível. Aos olhos do Alvissarismo, a coisa-em-si, rigorosamente falando, possui uma estrutura metafísica de algo situado além da experiência (é a revelação, os dons do Espírito Santo ou a mediunidade), mas também, poder-se-ia dizer, uma estrutura “introfísica”, na medida em que os paradoxos lógicos da linguagem são a experiência mais imediata, profunda, radical e íntima do psiquismo humano.

 

O desejo não se estrutura de forma consciente, pelo contrário, ele se estrutura de forma absolutamente inconsciente, e por isso há existência de paradoxos lógicos no psiquismo, que faz como que o homem deseje e não deseje a mesma coisa no mesmo instante. A consciência humana é uma espécie de superfície ilusória que tende a encobrir e tamponar o real, ao conferir causalidade aos fatos e às coisas do mundo. A irracionalidade é inerente ao inconsciente.

 

Entendido desse modo, o desejo (que é desejo de ser desejado pelo Outro), constitui, igualmente, não a causa de todo sofrimento como quis Buda e Schopenhauer, mas uma das formas dele se manifestar, uma vez que lança o homem num mundo onde o primordial é ser desejado por outrem, o que leva os entes a uma cadeia de aspirações sem fim, de demanda de amor infinita, na medida em que o desejo só quer continuar a desejar, o que de fato provoca um sofrimento enorme no homem, que permanece a desejar algo que jamais possuirá, pois é sempre algo além. O homem só deseja o que não tem, pois o que tem não é preciso desejar.

 

A saída para esse conflito é o pagamento de todas as dívidas morais para com Deus, a natureza e o próximo, levando o espírito, através das diversas encarnações, a se tornar um Anjo de Deus e se libertar do ciclo cármico da roda das encarnações, o que o leva a passar a desejar um desejo puro, sem um determinado objeto, e o principal, fá-lo não desejar mais ser desejado por outrem. O Anjo ama sem esperar ser amado. Esse é o princípio que identifica a Angelitude.

 

Desse modo, a conduta humana deve voltar-se para a superação do orgulho, da vaidade e do egoísmo; este último, por sua vez, provém da ilusão humana da consciência absoluta de sua individualidade, ou seja, de sua identidade, que, apesar de ser formada pelo Outro, passa a tentar suplantar esse Outro, como se ele não existisse ou como se ele não tivesse fundado a sua própria identidade. A compreensão da Angelitude faz com que todos os entes tomem a forma de um ente único porque se reconhecem uns nos outros, o que leva o sujeito, necessariamente, a compaixão, ao altruísmo, a alteridade, ao amor, a justiça e a caridade, sendo esta uma via para a felicidade eterna.

 

A felicidade eterna ou suprema felicidade, desse modo, somente pode ser conseguida pela anulação da própria identidade e a aquisição de uma outra identidade, uma identidade angélica, que pode ser preparada nesse mundo através do ideal ascético (uma vida de renúncia dos vícios em troca de virtudes, que se embasa na instrução, na meditação e na oração), mas adquirida somente no outro mundo, após a morte do corpo físico. Este outro mundo é, pois, o mundo inteligível de Platão ou o mundo espiritual de Kardec, sendo o mundo sensível ou material apenas uma cópia imperfeita desse outro mundo. Eis porque se diz que a felicidade não é desse mundo, mas pode ser preparada nesse mundo.

 

Por fim, a suprema felicidade que é a preparação nesse mundo para a Angelitude no outro mundo, somente pode ser conseguida pela anulação do desejo de ser desejado pelo Outro (isto é, pela ascese), que por vez pode se manifestar como a anulação da vontade. Tal anulação foi encontrada pelo Alvissarismo no misticismo Budista; a Angelitude no Alvissarismo equivale em parte ao nirvana no Budismo, com a diferença que no Alvissarismo o espírito não tem a sua identidade aniquilada, mas apenas transmutada.

 

A Angelitude constitui não na aniquilação da própria identidade, mas sim na vontade última de transmuta-la, que se manifesta como a aniquilação do desejo de ser desejado pelo Outro, porém, é preciso esclarecer que a aniquilação desse desejo para o Alvissarismo só pode ser alcançada através do pagamento de todas as dívidas morais para com Deus, a natureza e o próximo, e esse pagamento só pode ser alcançado não através da aniquilação do desejo em si, como no Budismo, mas sim através do desejo de trocar todos os vícios por virtudes e todos os débitos por créditos, somente após esse pagamento da dívida moral do homem é que é possível se falar da aniquilação do desejo em si mesmo, já que este tornar-se-á uma consequência natural da quitação da dívida moral do homem para com Deus, a natureza e o próximo; ou seja, para aniquilar o desejo é preciso desejar abater todas as dívidas morais. Somente neste estado o homem alcança a única felicidade real e estável e se prepara para a Angelitude. Eis a diferença primordial entre o asceticismo Budista e o asceticismo Alvissarista.

 

Contudo, é importante dizer que o objeto dessa via ascética, seja ela a felicidade do tipo contemplativa ou a bem aventurança, uma vez que, o ascetismo angélico, isto é, o ascetismo relacionado à suprema felicidade, só pode ser visto, na Filosofia e na Religião Alvissarista, como o último nível da experiência moral, isto é, a Angelitude, já que o valor moral das ações, para o Alvissarismo, está justamente no desinteresse pessoal em prol do interesse do Outro, ou seja, no não se preocupar com a própria felicidade, mas apenas com a felicidade do Outro, sendo este o último estágio moral possível de ser alcançado nesse mundo; neste estágio o espírito já está se preparando para adquirir a felicidade suprema da Angelitude. Este último estágio se manifesta como uma renúncia de si mesmo em prol do Outro.

 

Esse é, para o Alvissarismo, o caminho mais seguro para quem pretende ter e gozar de uma felicidade não tão instável como aquela alcançada na satisfação dos desejos e das necessidades materiais, mas sim alcançar a suprema felicidade e se libertar do ciclo cármico da roda das encarnações. Portanto, o asceticismo, tal como o Alvissarismo o concebe, é tanto um eudaimonismo espiritual (Felicidade Suprema) quanto um grau de elevação moral (Angelitude), que é um ideal comprometido com a busca da felicidade através da felicidade do Outro.

 

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